Por Pedro Casarin — Diretor da APRESSA
Empreendedor e pesquisador do comportamento humano e espiritualidade aplicada
Introdução institucional
A APRESSA abre espaço para reflexões que ampliam o olhar sobre o setor e sobre o consumo.
Neste artigo, o diretor Pedro Casarin compartilha uma leitura histórica e filosófica sobre como as crises de consumo como a atual adulteração de bebidas com metanol revelam transformações profundas no comportamento humano e nos ciclos econômicos.
De tempos em tempos, a humanidade se depara com crises que parecem abalar as estruturas do cotidiano: alimentos contaminados, bebidas adulteradas, produtos proibidos, padrões rompidos. São momentos em que a confiança se estilhaça, a saúde é colocada em risco e a sociedade entra em estado de alerta. Mas, se olharmos além da superfície, veremos que cada crise também inaugura um novo ciclo de consciência, de comportamento e de transformação coletiva. O caso atual da adulteração de bebidas alcoólicas com metanol no Brasil que já vitimou pessoas e mobilizou autoridades sanitárias é mais do que um episódio isolado. É parte de um padrão histórico que se repete com diferentes substâncias, em diferentes épocas, sempre com a mesma mensagem subjacente: o modo de consumir está mudando, e a crise vem apenas acelerar essa transição.
Leite: Da Contaminação à Consciência da Lactose
No Brasil, em 2013 e 2015, escândalos envolvendo adulteração de leite com ureia, formol e água chocaram a população. Investigações no Rio Grande do Sul revelaram que transportadores e empresas adicionavam substâncias químicas para aumentar volume e mascarar a qualidade. O consumo caiu, marcas foram investigadas, e a confiança antes quase automática foi abalada profundamente. No cenário global, o caso mais emblemático ocorreu em 2008,naChina, quando mais de 300 mil crianças foram afetadas pela adição de melamina ao leite em pó usada para “aumentar” fraudulentamente o teor proteico. Seis crianças morreram e milhares foram hospitalizadas. O episódio levou a prisões, mudanças regulatórias e à queda abrupta no consumo de determinadas marcas.
Curiosamente, pouco tempo depois, começou a crescer exponencialmente a conscientização sobre intolerância à lactose, acompanhada pelo boom dos produtos “sem lactose” e alternativas vegetais. Entre 2010 e 2020, o mercado global de leites vegetais cresceu mais de 10 vezes, e o Brasil seguiu a tendência.
Farinha: Do Escândalo à Era Sem Glúten
A farinha de trigo também passou por momentos de questionamento. Em diversos períodos do século XX e XXI, crises sanitárias relacionadas a contaminações, adulterações ou presença de substâncias impróprias acenderam alertas. O fenômeno mais significativo ocorreu após os anos 2000, quando explodiram os diagnósticos de doença celíaca e intolerância ao glúten no mundo ocidental. Mais do que uma moda passageira, foi uma mudança profunda no mercado: produtos “gluten free” se multiplicaram, novas padarias artesanais surgiram e marcas industriais tiveram que se adaptar rapidamente. Essa onda se consolidou sobre uma base de desconfiança alimentar, de crises que abalaram a percepção de segurança, e de um corpo coletivo que por diferentes razões começou a não tolerar mais aquilo que antes era consumido sem questionamento.
Álcool: Do Absinto ao Metanol — O Fio Condutor das Mudanças
O álcool tem uma longa história de proibições, excessos e crises. No final do século XIX e início do XX, o absinto bebida com até 80% de teor alcoólico virou símbolo de boemia e também de descontrole. Após casos famosos de violência atribuídos ao seu consumo, como o de Jean Lanfray na Suíça, vários países o proibiram. No Brasil, sua venda foi vetada em 1915. Nos Estados Unidos, durante a Lei Seca (1920–1933), milhares de pessoas morreram envenenadas por destilados
clandestinos contaminados com metanol e outros solventes industriais. Em Nova Iorque, só em 1926, cerca de 750 pessoas morreram. Hoje, um século depois, o Brasil enfrenta um novo surto de adulteração de destilados com metanol, com dezenas de casos de intoxicação noticiados. Mas algo mais profundo está acontecendo: o consumo de bebidas alcoólicas está em queda no mundo inteiro, especialmente entre os mais jovens. O movimento wellness, o foco em saúde mental e física, e a busca por experiências conscientes estão redefinindo o papel do álcool na vida social.
Um Ciclo Natural de Mudanças
Se olharmos com uma lente mais ampla filosófica, espiritual e energética veremos que essas crises não são “coincidências”. Elas fazem parte de um movimento cíclico da vida e da consciência.
- Primeiro, há um período de uso intenso e inconsciente.
- Depois, surge uma crise: contaminações, doenças, escândalos.
- Em seguida, há uma quebra de confiança e deslocamento de comportamento.
- Por fim, um novo padrão de consumo emerge mais consciente, natural e alinhado. Esses ciclos se repetem com diferentes produtos e épocas, mas a essência é a mesma: o que já não serve, colapsa para abrir espaço para o novo.
Oportunidades na Crise
Ao invés de insistir em “fazer voltar” antigos padrões de consumo, a crise pode ser um convite para olhar adiante: Quando o leite foi questionado, surgiram os leites vegetais.
- Quando o glúten entrou em debate, nasceu toda uma indústria “gluten free”.
- Agora, com o álcool, abre-se espaço para drinks de baixo ou zero teor alcoólico, fermentados naturais e bebidas botânicas. Cada colapso traz, em sua semente, uma oportunidade de regeneração e inovação alinhada com a vida.
Conclusão — A Força Invisível das Mudanças
Mais do que eventos isolados, essas crises são manifestações de forças universais que conduzem a humanidade de volta à origem, à simplicidade, ao consumo consciente e à regeneração da natureza. Não é sobre provar cientificamente que o corpo “decidiu” não tolerar mais certas substâncias é sobre perceber os movimentos sincronizados entre crise, consciência e criação de novos caminhos. Podemos resistir e morrer tentando sustentar o velho, ou reconhecer o sinal e cocriar o novo.
■ Pedro Casarin
Empreendedor, pesquisador do comportamento humano e espiritualidade aplicada
São Paulo, 2025